A frase não está errada. Mas tente um exercício comigo e acompanhe
meu raciocínio. Pense em algo que não existe.
Sim, num animal, fruta ou sensação que não existe. Não me venha
com “abaxuva”, cruzamento de abacaxi com uva, porque você só
está juntando duas coisas que existem em uma que não existe desta
forma, mas nada mais é que a soma de 2 coisas. Um duende também não
vale. Ele é simplesmente um homem pequeno, com uma roupa diferente.
Nada que está ali é inexistente, apenas a combinação das coisas.
Unicórnios, papai noel, cérberos, minotauros etc etc etc também
não valem. Tudo isso são descrições fantásticas, frutos da
mistura de 2 ou mais coisas existentes.
Estou falando em pensar em algo realmente inexistente. Do nada.
Por exemplo, um “xiribupifu”. Isso mesmo. Mas o que é isso? Não
sei. É algo que não existe. Parece até papo de paciente de
hospital psiquiátrico. Mas não é. Se eu pedisse para que você
descrevesse um “xiribupifu”, o que você diria pra mim? Como
descreveria? Todos os escritores, ao longo dos tempos, sempre
“criaram” criaturas fantásticas, que nada mais são do que a
junção de coisas conhecidas em uma só, de um jeito que realmente
não existe. Mas isso não é pensar em algo que não existe. Mas
tente me descrever um xiribupifu, me dizendo o que é isso. É um
animal. Já não valeria, porque a categoria de “animal” já
existe. Mas tudo bem, vamos dar um desconto. Se for um animal, como
seria? O que ele tem que não existe em nenhum outro lugar, nem na
natureza, de forma in natura ou in cultura (transformada).
A energia elétrica, muito antes de ser manipulada pelo ser humano,
já existia no relâmpago, na enguia e outros animais. Não invente
um animal luminoso: o vaga-lume e centenas de peixes da fauna abissal
já estão por aí há milênios.
“O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de
modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se
possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que
foram antes de nós.” Eclesiastes
1:9,10
Será que Salomão
estava dizendo de algo mais do que a ciclicidade da história? Será
que há algo a ser criado, a partir do nada, de tudo o que já foi
criado por Deus? Será que sou capaz de pensar em algo realmente
novo, ou apenas misturar, combinar, copiar o que já existe? Minha
mente tem a capacidade realmente criadora? Ou essa semelhança que
temos para com Deus é limitada?
Outro exercício.
Pense no universo, quando não havia nada. Apenas o abismo. Sem vida,
sem movimentos regulares. Agora o que você inventaria primeiro. Não
vale o que já temos aí já feito. Coloque-se um pouco no lugar do
criador e comece a desenhar, do nada, a forma do mundo a ser criado.
Não me venha falar de formatos de orelhas diferentes, pense em uma
forma de vida totalmente inédita, com aparência e funções das
quais nunca ouvimos falar neste mundo. Descreva elas pra mim. Aí eu
te pergunto: de onde o criador tirou a ideia de tudo o que foi
criado? Porque eu simplesmente não consigo criar algo do nada?
Simples: é que o
único capaz de fazer isso é Deus.
Por outro lado: se
há algo em que eu posso pensar, simplesmente conceber, então é
porque isso existe, independente das provas dos meus sentidos. Aliás,
o meu pensamento se torna um sentido que prova a existência de algo
“sentido” por ele.
Penso, logo existo. Ou seria “se posso pensar nisso, então isso
existe”. Agora, pense em Deus. Ele existe? Quais são suas
características? Você pode me dizer? Bem, o simples fato de poder
pensar em Deus e descrevê-lo, independente se está certo ou não, é
a prova que Ele existe. Eu mudaria apenas 1 letra da frase de
Descartes, eu diria, “penso, logo existe”. Se há algo em que eu
posso pensar, isso por si só é prova de que esse algo exista, ainda
que não exatamente da forma ou maneira que eu pense, ou ainda que eu
não possa provar material ou sensorialmente. O simples fato de
pensar em Deus é prova que Ele existe. Tente de novo: pense em algo
que não existe e me descreva o que é.
Descartes chegou a essa conclusão após duvidar da própria
existência. A tradução usual é sobre sua própria existência.
Mas creio que pode se estender a qualquer evento fora de si mesmo. Se
eu penso em algo, é sinal de que isso existe. Então isso
significaria, por exemplo que a viagem no tempo existe, porque muitos
pensam nela? Não necessariamente. Novamente, é a junção de 2
coisas separadas que existem, agrupadas numa só: viagem e tempo. Mas
tente novamente criar em sua mente, do nada, algo que realmente não
existe. Como seria um animal, criado por você, com caracteristicas
que não existem em nenhum outro. Nem mesmo em outras partes da
natureza.
A mente humana não é capaz de chegar lá.
Platão há havia explicado isso. Na velha guerra filosófica pré
socrática, travada entre os que acreditavam que somente os sentidos
podem garantir a prova da existência das coisas e aqueles que
acreditavam que a intuição era prova por si mesmo, Platão traz uma
explicação muito interessante: existe um mundo acima deste mundo
material, o “mundo das ideias”. Neste mundo “ideal”, existe
uma forma matriz para tudo o que existe. E a representação material
daquilo é apenas uma cópia da realidade, já apresentada no mundo
das ideias. A impossibilidade de se criar materialmente uma cópia
daquilo que já existe no mundo das ideias seria apenas uma
limitação, seja por motivos tecnológicos, cognitivos ou de outra
natureza, que viessem a impedir a materialização da realidade já
idealizada. Assim, muitos homens à frente do seu tempo, como
Leonardo da Vinci, teriam idealizado (pensado e projetado) máquinas
que só puderam ser efetivamente construídas muito tempo depois,
quando a tecnologia permitiu isso. Mas já existia na ideia.
Eu usaria esta mesma estrutura da realidade, sob um outro foco. O
fato de eu poder pensar em algo prova que este algo exista,
independente de eu poder construí-lo e materializá-lo. Assim, Se eu
posso pensar em Deus, esse simples pensamento é a prova, por sí só,
de sua existência, visto que minha mente não está habilitada em
pensar no que quer que seja que não existe. O pensamento é a nossa
fronteira da por Deus da existência do que quer que seja. Para ir
além disso, apenas se o criador alargar essa fronteira e criar
(ainda que apenas no mundo das ideias) aquilo para o qual minha mente
possa conceber. Se não existir, eu não posso sequer conceber, seja
lá o que for.
O livro de Hebreus, na Bíblia, também traz uma explicação sobre
isso. Diz “ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se
esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (Hb 11: 1).
Geralmente entendemos esse versículo sob a perspectiva da esperança.
Mas o verso 3, nos traz uma perspectiva mais físico-cósmica “Pela
fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de
maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente”.
Se foram criados pela “Palavra de Deus”, a primeira coisa que
devemos entender é que sua existência foi trazida do nada. Não
havia sequer no mundo das ideias. Essa criação é absoluta e
totalmente nova. Deus não criou a partir de algo pré-existente, mas
somente usando sua palavra, para trazer do nada aquilo que não
havia. A segunda parte do verso “aquilo que se vê não foi feito
do que é aparente” nos leva a 2 formas de entendimento, pelo
menos. O que vemos, materialmente, através dos sentidos, foi feito
daquilo que não pode ser visto. Visto a olhos nu. E isto tanto pode
indicar que os mundos e a matéria são feitos a partir de átomos e
moléculas, invisíveis separadamente a olho nu. Imperceptíveis aos
sentidos. Mas já percebidas pelos filósofos antigos que, com suas
teorias, já indicavam que a matéria visível era formada de
elementos básicos imperceptíveis aos sentidos. Seja Empédocles com
sua teoria dos quatro elementos (tudo seria formado da junção de
fogo-ar-terra-água) visíveis, que já trazia a ideia de que tudo o
que existe é a combinação de coisas já existente, não uma
novidade em si mesmas. Seja Demócrito, com o conceito de átomo,
numa época que seria impossível provar sua existência, o
importante aqui é percebermos que mesmo o conceito do átomo já foi
pensado muitos séculos antes de existir equipamento e tecnologia
capazes de provar sua existência. O átomo já existia, mas só
podia ser percebido pelo pensamento, pelas ideias. Nas palavras
bíblicas, pela fé, que eu chamo, neste caso, de a Razão de Deus.
Ou seja, tudo aquilo que minha razão não alcança, mas já é razão
pura, inalcançável para o humano, mas simplesmente existente para
Deus, então isso é fé.
Ora, se a fé é a “prova das coisas que se não vêem”, então
ou poderia entender com isso que a fé é a razão, provada pelo meu
pensamento (o simples fato de eu pensar em algo prova que esse algo
existe) que assevera a existência daquilo que a própria fé (a
razão de Deus) atinge. Se eu não vejo, é porque não pode ser
provado pelos sentidos. Mas é provado pelo pensamento. Tente
novamente pensar em algo que não existe. Não digo em algo que não
se pode ver ou sentir com os sentidos. Demócrito pensou e concebeu o
átomo muitos séculos antes de ser possível provar sua existência,
mas o simples fato dele ter concebido isso já era prova da
existência do átomo, que veio a ser comprovado recentemente pelo
experimento. Mas a única coisa que levou Demócrito a pensar nisso
foi apenas sua ideia. Ele concebeu que tudo o que existe é formado
de partículas menores, indivisíveis, invísíveis. Na linguagem
bíblica, o que vemos é formado daquilo que não vemos. Mas essa
afirmação bíblica poderia também ser entendida como “aquilo que
se vê” ou “aquilo que pode ser percebido pelos sentidos”, “não
foi feito do que é aparente” ou “não foi feito a partir daquilo
que pode ser percebido pelos sentidos”. Ou seja, a Palavra de Deus,
criadora, só pode ser percebida pela fé, não pelos sentidos. Não
pode sequer ser ouvida pelos ouvidos. Não é feita de ondas físicas.
Deus não propaga sua Palavra através do ar.
Ora, a fé é a prova das coisas que se não vêem. Ou, a razão de
Deus, as ideias que Ele mesmo permitiu que estivessem em nossa mente,
por si só, são prova das coisas as quais ainda não alcançamos com
nossos sentidos. Não podemos “ver” Deus com nossos olhos
físicos, mas podemos saber que Ele existe porque podemos conceber a
ideia de Deus. Se Ele não existisse, essa ideia não estaria em
nossa mente.