segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Penso, logo existe


A frase não está errada. Mas tente um exercício comigo e acompanhe meu raciocínio. Pense em algo que não existe.
Sim, num animal, fruta ou sensação que não existe. Não me venha com “abaxuva”, cruzamento de abacaxi com uva, porque você só está juntando duas coisas que existem em uma que não existe desta forma, mas nada mais é que a soma de 2 coisas. Um duende também não vale. Ele é simplesmente um homem pequeno, com uma roupa diferente. Nada que está ali é inexistente, apenas a combinação das coisas. Unicórnios, papai noel, cérberos, minotauros etc etc etc também não valem. Tudo isso são descrições fantásticas, frutos da mistura de 2 ou mais coisas existentes.
Estou falando em pensar em algo realmente inexistente. Do nada.
Por exemplo, um “xiribupifu”. Isso mesmo. Mas o que é isso? Não sei. É algo que não existe. Parece até papo de paciente de hospital psiquiátrico. Mas não é. Se eu pedisse para que você descrevesse um “xiribupifu”, o que você diria pra mim? Como descreveria? Todos os escritores, ao longo dos tempos, sempre “criaram” criaturas fantásticas, que nada mais são do que a junção de coisas conhecidas em uma só, de um jeito que realmente não existe. Mas isso não é pensar em algo que não existe. Mas tente me descrever um xiribupifu, me dizendo o que é isso. É um animal. Já não valeria, porque a categoria de “animal” já existe. Mas tudo bem, vamos dar um desconto. Se for um animal, como seria? O que ele tem que não existe em nenhum outro lugar, nem na natureza, de forma in natura ou in cultura (transformada).
A energia elétrica, muito antes de ser manipulada pelo ser humano, já existia no relâmpago, na enguia e outros animais. Não invente um animal luminoso: o vaga-lume e centenas de peixes da fauna abissal já estão por aí há milênios.
O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.” Eclesiastes 1:9,10
Será que Salomão estava dizendo de algo mais do que a ciclicidade da história? Será que há algo a ser criado, a partir do nada, de tudo o que já foi criado por Deus? Será que sou capaz de pensar em algo realmente novo, ou apenas misturar, combinar, copiar o que já existe? Minha mente tem a capacidade realmente criadora? Ou essa semelhança que temos para com Deus é limitada?
Outro exercício. Pense no universo, quando não havia nada. Apenas o abismo. Sem vida, sem movimentos regulares. Agora o que você inventaria primeiro. Não vale o que já temos aí já feito. Coloque-se um pouco no lugar do criador e comece a desenhar, do nada, a forma do mundo a ser criado. Não me venha falar de formatos de orelhas diferentes, pense em uma forma de vida totalmente inédita, com aparência e funções das quais nunca ouvimos falar neste mundo. Descreva elas pra mim. Aí eu te pergunto: de onde o criador tirou a ideia de tudo o que foi criado? Porque eu simplesmente não consigo criar algo do nada?
Simples: é que o único capaz de fazer isso é Deus.
Por outro lado: se há algo em que eu posso pensar, simplesmente conceber, então é porque isso existe, independente das provas dos meus sentidos. Aliás, o meu pensamento se torna um sentido que prova a existência de algo “sentido” por ele.
Penso, logo existo. Ou seria “se posso pensar nisso, então isso existe”. Agora, pense em Deus. Ele existe? Quais são suas características? Você pode me dizer? Bem, o simples fato de poder pensar em Deus e descrevê-lo, independente se está certo ou não, é a prova que Ele existe. Eu mudaria apenas 1 letra da frase de Descartes, eu diria, “penso, logo existe”. Se há algo em que eu posso pensar, isso por si só é prova de que esse algo exista, ainda que não exatamente da forma ou maneira que eu pense, ou ainda que eu não possa provar material ou sensorialmente. O simples fato de pensar em Deus é prova que Ele existe. Tente de novo: pense em algo que não existe e me descreva o que é.
Descartes chegou a essa conclusão após duvidar da própria existência. A tradução usual é sobre sua própria existência. Mas creio que pode se estender a qualquer evento fora de si mesmo. Se eu penso em algo, é sinal de que isso existe. Então isso significaria, por exemplo que a viagem no tempo existe, porque muitos pensam nela? Não necessariamente. Novamente, é a junção de 2 coisas separadas que existem, agrupadas numa só: viagem e tempo. Mas tente novamente criar em sua mente, do nada, algo que realmente não existe. Como seria um animal, criado por você, com caracteristicas que não existem em nenhum outro. Nem mesmo em outras partes da natureza.
A mente humana não é capaz de chegar lá.
Platão há havia explicado isso. Na velha guerra filosófica pré socrática, travada entre os que acreditavam que somente os sentidos podem garantir a prova da existência das coisas e aqueles que acreditavam que a intuição era prova por si mesmo, Platão traz uma explicação muito interessante: existe um mundo acima deste mundo material, o “mundo das ideias”. Neste mundo “ideal”, existe uma forma matriz para tudo o que existe. E a representação material daquilo é apenas uma cópia da realidade, já apresentada no mundo das ideias. A impossibilidade de se criar materialmente uma cópia daquilo que já existe no mundo das ideias seria apenas uma limitação, seja por motivos tecnológicos, cognitivos ou de outra natureza, que viessem a impedir a materialização da realidade já idealizada. Assim, muitos homens à frente do seu tempo, como Leonardo da Vinci, teriam idealizado (pensado e projetado) máquinas que só puderam ser efetivamente construídas muito tempo depois, quando a tecnologia permitiu isso. Mas já existia na ideia.
Eu usaria esta mesma estrutura da realidade, sob um outro foco. O fato de eu poder pensar em algo prova que este algo exista, independente de eu poder construí-lo e materializá-lo. Assim, Se eu posso pensar em Deus, esse simples pensamento é a prova, por sí só, de sua existência, visto que minha mente não está habilitada em pensar no que quer que seja que não existe. O pensamento é a nossa fronteira da por Deus da existência do que quer que seja. Para ir além disso, apenas se o criador alargar essa fronteira e criar (ainda que apenas no mundo das ideias) aquilo para o qual minha mente possa conceber. Se não existir, eu não posso sequer conceber, seja lá o que for.
O livro de Hebreus, na Bíblia, também traz uma explicação sobre isso. Diz “ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” (Hb 11: 1). Geralmente entendemos esse versículo sob a perspectiva da esperança. Mas o verso 3, nos traz uma perspectiva mais físico-cósmica “Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente”. Se foram criados pela “Palavra de Deus”, a primeira coisa que devemos entender é que sua existência foi trazida do nada. Não havia sequer no mundo das ideias. Essa criação é absoluta e totalmente nova. Deus não criou a partir de algo pré-existente, mas somente usando sua palavra, para trazer do nada aquilo que não havia. A segunda parte do verso “aquilo que se vê não foi feito do que é aparente” nos leva a 2 formas de entendimento, pelo menos. O que vemos, materialmente, através dos sentidos, foi feito daquilo que não pode ser visto. Visto a olhos nu. E isto tanto pode indicar que os mundos e a matéria são feitos a partir de átomos e moléculas, invisíveis separadamente a olho nu. Imperceptíveis aos sentidos. Mas já percebidas pelos filósofos antigos que, com suas teorias, já indicavam que a matéria visível era formada de elementos básicos imperceptíveis aos sentidos. Seja Empédocles com sua teoria dos quatro elementos (tudo seria formado da junção de fogo-ar-terra-água) visíveis, que já trazia a ideia de que tudo o que existe é a combinação de coisas já existente, não uma novidade em si mesmas. Seja Demócrito, com o conceito de átomo, numa época que seria impossível provar sua existência, o importante aqui é percebermos que mesmo o conceito do átomo já foi pensado muitos séculos antes de existir equipamento e tecnologia capazes de provar sua existência. O átomo já existia, mas só podia ser percebido pelo pensamento, pelas ideias. Nas palavras bíblicas, pela fé, que eu chamo, neste caso, de a Razão de Deus. Ou seja, tudo aquilo que minha razão não alcança, mas já é razão pura, inalcançável para o humano, mas simplesmente existente para Deus, então isso é fé.
Ora, se a fé é a “prova das coisas que se não vêem”, então ou poderia entender com isso que a fé é a razão, provada pelo meu pensamento (o simples fato de eu pensar em algo prova que esse algo existe) que assevera a existência daquilo que a própria fé (a razão de Deus) atinge. Se eu não vejo, é porque não pode ser provado pelos sentidos. Mas é provado pelo pensamento. Tente novamente pensar em algo que não existe. Não digo em algo que não se pode ver ou sentir com os sentidos. Demócrito pensou e concebeu o átomo muitos séculos antes de ser possível provar sua existência, mas o simples fato dele ter concebido isso já era prova da existência do átomo, que veio a ser comprovado recentemente pelo experimento. Mas a única coisa que levou Demócrito a pensar nisso foi apenas sua ideia. Ele concebeu que tudo o que existe é formado de partículas menores, indivisíveis, invísíveis. Na linguagem bíblica, o que vemos é formado daquilo que não vemos. Mas essa afirmação bíblica poderia também ser entendida como “aquilo que se vê” ou “aquilo que pode ser percebido pelos sentidos”, “não foi feito do que é aparente” ou “não foi feito a partir daquilo que pode ser percebido pelos sentidos”. Ou seja, a Palavra de Deus, criadora, só pode ser percebida pela fé, não pelos sentidos. Não pode sequer ser ouvida pelos ouvidos. Não é feita de ondas físicas. Deus não propaga sua Palavra através do ar.
Ora, a fé é a prova das coisas que se não vêem. Ou, a razão de Deus, as ideias que Ele mesmo permitiu que estivessem em nossa mente, por si só, são prova das coisas as quais ainda não alcançamos com nossos sentidos. Não podemos “ver” Deus com nossos olhos físicos, mas podemos saber que Ele existe porque podemos conceber a ideia de Deus. Se Ele não existisse, essa ideia não estaria em nossa mente.